sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Para MP, Civil dificulta investigações

Em últimas operações do MP, houve participação apenas de PMs

"O Ministério Público, de fato, tem enfrentado barreiras no apoio da Polícia Civil às nossas investigações, especialmente as que tem por objetivo o combate à crimes contra a administração pública". A declaração é do procurador-geral de Justiça do Rio Grande do Norte, Manoel Onofre Neto, concedida ontem com exclusividade à TRIBUNA DO NORTE. Segundo ele, as "barreiras" encontradas têm mantido a Polícia Civil afastada de atuações em parceria na deflagração de operações do Ministério Público Estadual. Em operações recentes, como a Pecado Capital, Sinal Fechado e o Mensalão da Vila, o MP recorreu à Polícia Militar para prestar o apoio logístico no cumprimento de mandados de prisão e de busca e apreensão.
Adriano AbreuEm últimas operações do MP, houve participação apenas de PMs

O procurador-geral de Justiça foi procurado pela reportagem da TRIBUNA para comentar o teor da Proposta de Emenda à Constituição 37/2011 - que fala em limitação dos poderes de investigação do Ministério Público. Manoel Onofre aproveitou a oportunidade para explicitar os problemas entre o MP e a Polícia Civil. Perguntado sobre a capacidade de investigação da Polícia Civil na impossibilidade do MP fazê-la, respondeu: "há problemas graves, de gestão e falta de independência, o que cria um vazio na atividade investigativa de certos crimes".

O procurador-geral relembra que durante a investigação da operação Pecado Capital, que apurava irregularidades no Instituto de Pesos e Medidos do Rio Grande do Norte (Ipem/RN), foi flagrado indícios de tráfico de influência dentro da Delegacia-geral da Polícia Civil. "Qual teria sido o destino da investigação policial caso não pudesse o Ministério Público, de forma independente, apurar os fatos?", indagou Onofre.

As desconfianças levantas pelas investigações do MP afastaram o contato da Instituição com a polícia judiciária. "Por esse motivo, em alguns casos, os mandados de busca e apreensão e de prisão, além de outras diligências, tem sido expedidos pelo Poder Judiciário para o cumprimento por outras instituições (PM, PRF, PF), circunstância que encontra respaldo legal e constitucional".

A nova declaração do procurador-geral de Justiça diverge de posicionamentos anteriormente percebidos. Manoel Onofre Neto já havia sido indagado sobre a ligação do afastamento da Polícia Civil nas operações do MP em outras oportunidades. A mais recente delas ocorreu quando foi deflagrada a operação "Mensalão da Vila", no município de Vila Flor, no final do mês de dezembro de 2011. Em entrevista coletiva, o procurador-geral justificou que a opção pela Polícia Militar em vez da Civil era mera questão de logística e efetivo.

Um inquérito policial é conduzido para apurar o suposto tráfico de influência no caso do Ipem. O Ministério Público não informou se tomará outras providências quanto a outras influências citadas.

Tristeza

Procurado pela reportagem da TRIBUNA, o delegado-geral da Polícia Civil, Fábio Rogério Silva, disse ter recebido o posicionamento de Onofre com surpresa e tristeza. "Vejo com tristeza a declaração. Não acredito que a Polícia Civil coloque obstáculos no caminho do Ministério Público. Tanto o MP quanto o Poder Judiciário são tidos como nossos parceiros", afirmou.

Para ele, a frágil infraestrutura da Polícia Civil pode levar a interpretações erradas sobre a capacidade da instituição. "Muitos criticam sem saber a real situação da polícia. Nós fazemos muito para a estrutura que temos. Mas ninguém vê isso", lamentou Fábio Rogério.

Segundo ele, a retomada das atividades na Delegacia de Defesa do Patrimônio Público - extinta em 2008 - está programada para 2012. "É um objetivo da Degepol. Estamos procurando um prédio para a delegacia e acredito que em menos de dois meses possa estar em funcionamento". A extinção da delegacia é citada pelo Ministério Público como uma perda para investigação de crimes de corrupção dentro da administração pública.

A reportagem procurou contato com o secretário de segurança pública do Estado, Aldair Rocha, para comentar a situação, mas não houve retorno aos telefonemas realizados.

Bate-papo

Manoel Onofre Neto » Procurador-geral de Justiça

O procurador-geral de Justiça do RN, Manoel Onofre Neto, discorda do posicionamento do secretário estadual de Segurança, Aldair Rocha. Em entrevista à TN na quarta-feira passada, o titular da Sesed disse que é favorável à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37/2011, que limita os poderes de investigação do Ministério Público. Onofre Neto, por outro lado, disse que o afastamento do MP de parte das investigações beneficiaria os corruptos e policiais que cometem crimes. Afirmando que a PEC "ofende o Estado Democrático de Direito", Onofre Neto argumenta que a investigação por parte do MP é reconhecida por inúmeros juristas e até pelo STF. A retirada da prerrogativa do MP de produzir provas, na opinião do procurador-geral de Justiça, vai de encontro ao que é praticado na maioria dos países democráticos. Confira a entrevista concedida com exclusividade à TRIBUNA DO NORTE:

Sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que limita os poderes de investigação do Ministério Público, o senhor é contra? Por que?
O Ministério Público se mostra totalmente contrário à proposta de Emenda à Constituição, porque a mesma ofende o Estado Democrático de Direito. Hoje, a possibilidade de investigação por parte do Ministério Público é amplamente reconhecida por inúmeros juristas, inclusive pelo próprio Supremo Tribunal Federal em decisões recentes. Tanto assim que foi proposta a mencionada Emenda à Constituição para, de forma expressa e proposital, retirar essa atribuição. É impossível conceber que o promotor de justiça, como destinatário final do produto da investigação e titular da ação penal pública, não possa praticar atos de investigação. Na grande maioria dos países de tradição democrática, o Ministério Público detém atribuição para atos de investigação sem que isso seja um tabu. Até porque, como parte acusatória da ação penal, o órgão do MP pode sim produzir prova para fins de formar sua opinião quanto ao fato investigado.

É falacioso, assim, o argumento de que a investigação retira do membro do MP a isenção para se posicionar melhor perante o caso. Na verdade, é justamente o contrário. Ao investigar diretamente, o Ministério Público busca exaurir todos os aspectos da questão, formando sua convicção com muito mais elementos probatórios disponíveis.

Quem ou o quê a PEC 37/2011 beneficia?

O que vemos hoje é que a atuação do Ministério Público, em especial na investigação e denúncia de crimes contra a Administração Pública, vem incomodando muitas pessoas. Então, só quem tem a perder, caso a PEC seja realmente aprovada, é a sociedade como um todo, que ficará sem mais um aliado no combate aos crimes de corrupção, que tanto têm causado prejuízo aos cofres públicos. Também não podemos nos esquecer do controle externo da atividade policial e dos crimes cometidos por policiais, que podem e devem ser investigados por promotores de justiça, sob pena de um retrocesso em termos de lutas pela defesa dos Direitos Humanos.

Então o trabalho de investigação e fiscalização se complementam?

Sem dúvida que a Polícia Judiciária, em especial a Polícia Civil, tem seu espaço na investigação de crimes e presta um relevante serviço à sociedade. Contudo, nada obsta a atribuição concorrente assegurada pela Constituição a outros órgãos para a prática de investigações, como ocorre com o Poder Legislativo, nas comissões parlamentares de inquéritos; com o Poder Judiciário, nas investigações de crimes cometidos por magistrados; e, com o Ministério Público, na instauração de procedimentos investigatórios para a apuração de crimes, nos termos da Constituição Federal.

Acreditamos, portanto, ser salutar para a eficiência no combate à criminalidade o concurso de vários órgãos em relação à possibilidade de investigar. Recentemente, inclusive, buscou-se reforçar a atuação em conjunto com a Polícia Civil mediante diversas reuniões com a participação do próprio secretário de segurança, sendo de se estranhar, pois, essa sua visão que objetiva assegurar o monopólio das investigações à Polícia Judiciária.

Essa postura do MP em relação à investigação de crimes passa pela desconfiança quanto ao trabalho de parte da Polícia Judiciária?

De fato, a Polícia Judiciária não tem as garantias constitucionais e a independência em relação aos Poderes como hoje existe em relação ao Judiciário e ao Ministério Público. Embora não possamos partir da errônea premissa de que o trabalho da Polícia é suspeito sempre, há problemas graves, de gestão e falta de independência, o que cria um vazio na atividade investigativa de certos crimes. Veja-se, por exemplo a ausência de uma Delegacia Especializada na Defesa do Patrimônio Público no âmbito da Polícia Civil e, mesmo, a interferência política identificada na Operação Pecado Capital, que culminou com o afastamento do Delegado de Polícia que presidia o inquérito policial relativo a tais fatos. Segundo as conversas telefônicas captadas na investigação presidida pelo MP, alguns denunciados chegaram a comemorar o afastamento referido. Fica então a pergunta: qual teria sido o destino da investigação policial caso não pudesse o Ministério Público, de forma independente, apurar os fatos?

Por outro lado, o Ministério Público vem ao longo dos anos reafirmando a importância das instituições policiais, em especial porque temos em mente que a Segurança Pública é um serviço público essencial e fundamental à sociedade. Nesse particular, quanto à Polícia Civil, o Ministério Público vem ao longo de anos atuando com vistas a assegurar melhores condições de trabalho e uma prestação de serviço digna à sociedade, dentro da legalidade, com o ajuizamento de ações para a designação de delegados de polícia de carreira em substituição de Policias Militares e retirada de presos de carceragens de delegacias, bem como ofertando manifestações favoráveis à nomeação e posse de policiais civis aprovados no último concurso.

Qual seria o interesse àqueles que defendem a PEC?

Na verdade, o objetivo daqueles que defendem a aprovação da PEC é impedir as investigações de crimes produzidas pelo Ministério Público, notadamente no combate à corrupção e aos crimes cometidos por policiais.

Quais os riscos à sociedade à Instituição Ministério Público, caso a PEC seja aprovada e sancionada?

Alguns dos nefastos resultados que poderão ser produzidos caso a PEC seja aprovada sem que a sociedade se envolva no debate são a impunidade de inúmeros crimes dessa natureza, o descrédito total da população na apuração e punição de delitos que tradicionalmente não são investigados a contento pela Polícia Judiciária, além da dependência total do combate à criminalidade a uma única instituição.

As últimas operações e investigações, especialmente aquelas contra crime organizado, não contaram com participação da Polícia Civil. Por que?

Diante das dificuldades acima apontadas, o MP, de fato, tem enfrentado barreiras no apoio da Polícia Civil às nossas investigações, especialmente as que tem por objetivo o combate à crimes contra a administração pública. Por esse motivo, em alguns casos, os mandados de busca e apreensão e de prisão, além de outras diligências, tem sido expedidos pelo Poder Judiciário para o cumprimento por outras instituições (PM, PRF, PF), circunstância que encontra respaldo legal e constitucional.

Há algum tempo tem ocorrido maior estruturação do MP para investigação de crimes organizados, a exemplo da criação do Gaeco. Tem mais recursos para esse aparelhamento?

Sim, é constante a busca pelo aperfeiçoamento de nossas unidades de investigação e de segurança, o que demanda reforços orçamentários e financeiros perenes.

O MP, então, estaria cobrindo uma lacuna onde o Estado não tem investido a estruturação da Polícia Judiciária?

Temos procurado executar nossa missão constitucional com esmero, no que se insere a investigação criminal. Não buscamos, com isso, substituir o trabalho de qualquer instituição, mas apenas cumprir o que nos cabe segundo as leis brasileiras e com eficiência.
Por isso mesmo, ao contrário do que já foi dito pelo secretário, não escolhemos o que investigamos. Há, em verdade, maior destaque, por parte da mídia, para as investigações relativas aos crimes contra a administração pública. Contudo, no dia a dia do MP, inclusive no interior do Estado, é rotineira a atividade investigativa relacionada a outros tipos de crimes.

O que o senhor acha do ponto de vista do Secretário de Segurança Pública?

Não entraremos em discussão no que toca à opinião pessoal do secretário. Entendemos, contudo, que o interesse a ser mirado nesse assunto é o de natureza pública, e não corporativa. A verdadeira questão é se a sociedade ganha com a retirada de atribuição de investigação do MP. Pensamos que não. Não conseguimos enxergar um só interesse público que ampare a visão defendida pela PEC. Enxergamos na mesma, apenas, interesses corporativos que querem mais poder em detrimento do que é importante para a sociedade brasileira.

Quais articulações institucionais, no plano nacional, estão sendo feitas em relação à tramitação dessa PEC no Congresso Nacional?

Todo o Ministério Público brasileiro está se articulando para impedir que a PEC em exame seja aprovada. Junto com o MP, a sociedade civil organizada, bem como representantes políticos dos mais diversos partidos, estão igualmente engajados em impedir esse retrocesso institucional na democracia brasileira.

Com o debate do assunto na imprensa e nas mídias em geral, inclusive nas redes sociais, certamente a população se mostrará contrária à proposta, cobrando dos parlamentares posição que atenda ao interesse da mesma no combate à criminalidade, como, aliás, já aconteceu no passado, no tocante à chamada Lei da Mordaça, derrubada por não interessar à sociedade restringir a forma de atuação do Ministério Público.
 
Fonte: Tribuna do Norte

Nenhum comentário:

Postar um comentário