domingo, 19 de junho de 2011

Vista grossa para os viciados


Crianças perambulam pelas rua sob efeito de crack e solventes
Crianças perambulam pelas rua sob efeito de crack e solventes

As mãos se entrelaçavam nervosamente. Os olhos claros esbugalhados refletiam a necessidade de atenção constante às pessoas que passam na rua. O rosto com a barba por fazer havia emagrecido nos últimos tempos. Do outro lado da rua, Cláudio se diz refém de bandidos que todos os dias batem à sua porta para pedir uma ajuda, que, como ele mesmo admite, já se transformou em uma condição indispensável para a segurança. Os viciados na calçada da residência estão lá há tempos e a resposta da polícia é fazer vista grossa ao problema.

Cláudio é nome fictício para o homem que teme por represálias por causa das denúncias que faz. Como ele, muitos convivem em meio a insegurança de serem vítimas de pessoas que buscam o alimento para o vício, na maioria das vezes o café da manhã, o almoço e o jantar é o crack. O consumo exposto e até mesmo o tráfico durante o dia passaram a fazer parte do cotidiano do natalense.

Mudar de calçada, trancar a porta do carro ou simplesmente desviar o olhar é a resposta ao alcance do cidadão. Pegar o telefone e discar para o 190 denunciando a situação representa a minoria dos casos  e que algumas vezes pode acabar como alvo de piadas. "Eles [a polícia] riram da minha cara quando telefonei para falar que na minha porta havia drogados, que assaltavam a vizinhança para comprar droga. Falaram que não podiam fazer nada", relata Cláudio, morador da avenida Floriano Peixoto, no bairro Petrópolis.

Para ele, a resposta das autoridades de segurança pública tem sido ineficaz nesse sentido, permitindo a expansão do problema social. "Quando vem aqui, é só para dispersar e pouco tempo depois os viciados e traficantes voltam ao mesmo canto".

Uma rápida passagem pela avenida Bernardo Vieira e pelas ruas adjacentes, entre os bairros de Lagoa Nova e as Quintas, para constatar que os pontos de utilização de droga se espalham pela capital do Estado. Às 10h, a movimentação é intensa sob um toldo de um galpão na rua dr. Horácio, que cruza a Bernardo Vieira. Mais de dez jovens se reúnem para utilizar drogas, principalmente o crack e o solvente.

Os vizinhos confirmam a pertubação ocasionada e já dizem que o local é identificado como "rua dos noiados". "Em pleno a luz do dia, eles fumam crack aqui. Antigamente a gente ligava pra polícia, mas não dava em nada e desistimos de fazer isso", conta o auxiliar de escritório Ricardo José.

Os galpões que "acomodam" os usuários de entorpecentes estão disponíveis para aluguel, mas os moradores da vizinhança esclareceram dizendo que os interessados no imóvel, desistiram do negócio depois da primeira visita. "Ninguém quer alugar o galpão e levar junto os viciados que certamente irão atrapalhar o negócio", afirmou Ricardo José, que trabalha em frente ao local.

À primeira tentativa da reportagem entrar em contato, hostilidade. Os garotos aparentando serem menores de idade saem do local e respondem com xingamentos uma tentativa de esclarecimento daquela realidade em que vivem.

"Se a polícia quisesse realmente, os tirava daqui"

No bairro de Dix-sept Rosado, na zona Oeste de Natal, o problema volta a ocorrer. A reportagem flagrou quando dois homens e uma mulher fumavam crack utilizando um cachimbo e improvisavam com uma lata. O flagra ocorreu às 9h30 da quinta-feira passada. Nem mesmo a forte chuva que caía, impossibilitou aquelas pessoas de alimentar os vícios.

Para se proteger da chuva, estavam embaixo da entrada de uma residência no cruzamento das ruas intendente Teodósio Paiva com Professor Josino Macedo. O engenheiro Elias Gomes, 60 anos, diz que aquelas pessoas montaram um verdadeiro acampamento ao redor da sua casa.

"É claro que perturba, mas se tratar mal é pior. Se a polícia quisesse realmente, tirava eles daqui. Mas eles dizem que não podem fazer nada, imagine eu", argumentou Elias.

Perto dali, na rua professor Josino Macedo, o aposentado Pedro Oséas, 85 anos, tenta tomar as medidas que estão ao seu alcance. "Estou vendendo a casa e quero me mudar. Moro aqui há 20 anos e de um tempo para cá, eles não tem mais se preocupado sequer em se esconder para fazer uso de drogas. É tudo exposto", disse.

Assim como os personagens na rua dr. Horácio, as pessoas dali não querem conversa e saem do local na primeira tentativa de diálogo da reportagem. Dentre os pertences abandonados, estão isqueiros e recipientes onde provavelmente estaria armazenado os entorpecentes.

A posse de droga para consumo pessoal deixou de ser formalmente "crime", mas não de infração ao código penal. A conduta descrita no antigo artigo 16 e também no artigo 28 permanece como ilícita. Já o tráfico de drogas, artigo 33, prevê pena de prisão para aqueles que importarem, fabricarem, adquirirem, venderem, entregarem a consumo ou fornecerem drogas, ainda que gratuitamente: reclusão de cinco a quinze anos.

bate-papo: » Cel Francisco Araújo, comandante geral da Polícia Militar no RN
"Não podemos fazer vista grossa para o problema"

Como a Polícia Militar encara o problema de viciados que ocupam as ruas de Natal?

O viciado se caracteriza como pessoa doente e também se torna, portanto, problema de saúde pública.

E quanto aos problemas causados à segurança pública em virtude dessas pessoas?

A PM tem que abordar que estiver consumindo qualquer tipo de droga ilícita e conduzir a delegacia para autuação. Não pode fazer vista grossa e passar despercebido.

O que pode ser feito por parte da PM para evitar que o problema social continue a se espalhar pela cidade?

Trabalhos ostensivos estão sendo realizados. Ao mesmo tempo desenvolvemos atividades de caráter preventivo, como o Proerd. Desde cedo, ensinamos a crianças e jovens os malefícios das drogas para  evitar o primeiro contato.
 
Fonte: Tribuna do Norte

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