domingo, 28 de agosto de 2011

Políticas públicas são ineficazes

Confira a entrevista com Amanda:





Aos 17 anos, Francisco (nome fictício) traz consigo marcas de uma vida inteira nas ruas. Destituído de sua família, há sete anos é assistido pelos programas sociais do Município. Entre idas e vindas aos centros de assistência, tentativas em vencer a dependência do crack e ir regularmente à escola. Todas elas, porém, frustradas. As políticas municipais de assistencialismo social não foram suficientes para mantê-lo na instituição, educá-lo adequadamente e encaminhá-lo a um curso profissionalizante. Como consequência, fugas recorrentes e recaídas. Consciente da conjuntura na qual está inserido Francisco e muitos outros adolescentes, a Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social (Semtas), afirma que está em busca de alternativas para solucionar o problema.
A história de Francisco é apenas um caso das crianças que fogem das Casas de Passagem e retornam para as ruas. Em Natal, são três imóveis administrados pela Semtas, onde estão cadastradas cerca de 120 crianças e adolescentes. Elas foram encaminhadas às Casas após solicitação dos Conselhos Tutelares à Vara da Infância. Em duas delas, a situação é considerada satisfatória pela secretária municipal adjunta de Assistência Social, Verônica Dantas. Na terceira, entretanto, os problemas começam pela infraestrutura do prédio e se evidenciam na dinâmica de funcionamento da instituição. "Nós reconhecemos que temos dificuldades na Casa de Passagem III. Há crianças e adolescentes que cometeram atos infracionais, consomem drogas".
O menino Francisco, 17 anos, vive na rua após fugir várias vezes da Casa de Passagem. A última fuga ocorreu depois de esfaquear colega
 Foi justamente desta Casa que Francisco fugiu. A fuga se deu, após ter cometido um delito contra um colega interno. "Eu furei meu colega e depois fugi. Não lembro o dia, mas faz pouco tempo. Eu prefiro ficar na rua porque tenho mais liberdade", admite Francisco. Ele foi abordado pela reportagem durante o início da madrugada da quinta-feira passada, enquanto limpava parabrisas num cruzamento da zona sul. Até o início do diálogo, não se sabia que ele era um evadido da Casa de Passagem.

A secretaria relata, ainda, que os adolescentes mais velhos acabam influenciando as crianças que vivem no mesmo local. Para a psicóloga Normanda Morais, muitas dessas instituições não conseguem propor práticas de atendimento que respeitem as particularidades das faixas etárias atendidas. "Sobretudo, há um choque de valores, de linguajar, de perspectivas de vida, que termina sendo um grande desafio ao trabalho. Infelizmente, falta-nos, ainda, criatividade e recursos humanos e financeiros para propor alternativas mais coerentes às reais demandas das crianças atendidas", destaca.

De acordo com Verônica Dantas, o Município busca recursos para pôr em prática dois projetos. Um deles criará Residências Inclusivas. O outro, implantará a Casa de Passagem IV, exclusiva o tratamento de crianças e adolescentes viciados em drogas. Tudo esbarra, porém, na falta de recursos e na burocracia. Enquanto os projetos não se tornam reais e sob o conhecimento dos governantes, Francisco se droga, comete delitos e vive sem perspectivas de reinserção social.
Travesti e prostituta aos 16 anos
A janela dos carros que cruzam as ruas escuras do bairro Capim Macio, zona Sul de Natal, emolduram corpos modificados por hormônios e implantes de silicone. A vitrine preferida de mulheres e travestis que se prostituem na região, são as esquinas. Um corpo franzino e o comportamento tímido, chamou a atenção da equipe de reportagem na noite da última quinta-feira. Amanda, 16 anos. Nome adotado por um menino que, aos oito anos de idade, após conversas com amigos mais velhos, decidiu transformar o corpo e se tornar travesti. Prostitui-se desde então. Divide a esquina com mais três jovens que também ganham a vida vendendo o corpo, uma delas de 17 anos. Os três cobram R$ 50 pelo programa - o preço de uma infância perdida. Amanda, menor de idade e vivendo em situação de risco, disse nunca ter sido abordada por assistentes sociais. 
Das 19 horas às 3 horas da manhã, o trabalho no ponto é quase sagrado. "Estou aqui quase todos os dias. Faço uns quatro programas por noite", admite Amanda. Ela e as amigas utilizam parte de uma construção da Caern como abrigo. O lugar é muito escuro e não oferece nenhum tipo de segurança. Lá, Amanda se expõe como um objeto, sempre disponível a quem lhe oferecer dinheiro. Parte do que arrecada é para a família.
 
Amanda, 16 anos, faz ponto em uma rua do bairro de Capim Macio. A adolescente conta que decidiu seguir esse caminho aos 8 anos

 "Parte do dinheiro que eu ganho, eu dou para minha mãe. Por isso, que ela me aceita sem problemas", confirma. A autoconfiança com a qual Amanda responde aos questionamentos da equipe de reportagem, chama atenção. Em nenhum momento, desvia o olhar ou trata o assunto com deboche. Entretanto, questionada sobre o que diria aos seus filhos, se um dia os tiver, sobre a vida que tem hoje, ela para e reflete. "Eu aceitaria se fosse gay, sapatão. Mas diria que a vida de travesti é ruim".

Com os estudos interrompidos aos 12 anos, no sétimo ano do ensino fundamental, as perspectivas de Amanda em relação ao futuro passam somente pela comercialização do seu próprio corpo. "Quero colocar silicone. Quero ser bonita e me prostituir até quando quiser", diz com segurança sem conseguir vislumbrar outro futuro. Para a psicóloga Normanda Morais, casos como o de Amanda refletem as consequências negativas da exploração sexual.  

Promotores vão apurar denúncias

 O coordenador do Centro de Apoio Operacional à Promotoria , Leonardo Nagashima, e o promotor de Defesa da Criança e do Adolescente, Marcos Aurélio Freitas de Barros, analisaram um vídeo produzido pela TRIBUNA DO NORTE, na qual a travesti Amanda relata momentos de sua vida. "O conteúdo do material será analisado e minuciosamente avaliado para se buscar a atuação mais efetiva da solução do problema", afirmam os promotores.

Segundo eles, a correta apuração dos fatos apontados será realizada pela Promotoria de Justiça da área da Infância que atua no combate à exploração sexual. O caso também será investigado pelo promotor Marconi Falcone, que trabalha na fiscalização de instituições que prestam assistência à crianças e adolescentes infratores.

O funcionamento das Casas de Passagem já vem sendo fiscalizado pela Promotoria da Criança e do Adolescente. "No que se refere às Casas, já existem três inquéritos civis em tramitação na 21ª Promotoria de Justiça. Os programas e serviços do Sistema Único de Assistência Social estão sendo acompanhados e alvos de visita da equipe técnica".

Além disso, os promotores reiteram que é preciso fortalecer os programas assistenciais. Eles dizem que "uma vez fortalecido o Sistema da Assistência Social, consegue-se uma atuação mais proativa do Município na redução das vulnerabilidades. inclusive os serviços de Busca Ativa". A Promotoria ressalta, ainda, que a atuação do Ministério Público será baseada em duas vertentes: a preventiva e a repressiva. A primeira, ligada ao encaminhamento do caso aos serviços sociais do Município e a segunda na intensificação da fiscalização policial e efetiva repressão à prática criminosa, que tem como vítima, crianças e adolescentes.

Números revelam triste realidade


A partir de estatísticas, é possível conhecer um pouco mais a dimensão dos problemas que envolvem crianças e adolescentes no Brasil.

Das 59,5 milhões de crianças e adolescentes brasileiros, quase metade (49,5%) é pobre, residindo em domicílios com renda per capita até meio salário mínimo e encontra-se em situação de grande vulnerabilidade. Mensagem presidencial referente ao Plano Plurianual 2008/2011 do Governo Federal

241 rotas de tráfico de crianças e adolescentes no Brasil. Pesquisa sobre tráfico de mulheres, crianças e adolescentes para fins de exploração sexual comercial no Brasil - Pestraf, 2002

234 mil jovens abaixo de 18 anos são responsáveis por chefiar uma família. Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios - PNAD, 2009

1.820 pontos vulneráveis de exploração sexual nas rodovias federais. Polícia Rodoviária Federal, 2009

10.385 denúncias de abuso e exploração sexual infantojuvenil recebidas pelo Disque-Denúncia Nacional em 2010. Ligue 100

7.743 denúncias de pornografia infantil na internet recebidas pela Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos apenas no primeiro semestre de 2011.

Fonte: ONG Childhood

Bate-papo: Normanda Morais » psicóloga

Quais são as principais consequências para uma criança que começa a se prostituir aos oito anos de idade?

Crianças e adolescentes que são vítimas da exploração sexual podem apresentar muitas conseqüências negativas ao seu desenvolvimento, que vão desde conseqüências físicas (traumas, DSTs, dores psicossomáticas, etc), emocionais (sentimento de medo, vergonha, culpa, irritabilidade, desconfiança, auto-estima baixa) e comportamentais (isolamento, agressão, fuga de casa, baixo rendimento escolar, comportamento hipersexualizado, dentre outros). Não há uma regra geral para as conseqüências que cada criança vai apresentar, nem uma medida única de intensidade. Mas os elementos citados anteriormente são bem frequentes. Além disso, o envolvimento com situações de exploração as expõe a outros riscos, como o envolvimento com drogas, tráfico e situações outras de violência.

O comportamento destas crianças e adolescentes reflete o ambiente familiar no qual elas convivem?

Em cada caso é preciso ver de que forma e como a dinâmica familiar está relacionada com a situação de exploração sexual na qual a criança está envolvida. Há crianças que relatam a saída para a rua e mesmo o seu envolvimento na exploração por influência direta dos pais. No entanto, não se trata de culpabilizar as famílias dessas crianças ou mesmo generalizar esse fato. Longe disso! O que se tem visto é que as famílias de crianças expostas à exploração são também vítimas de outras vulnerabilidades, como o desemprego, abuso de álcool e outras drogas, dificuldades de relacionamento, violência doméstica etc. Em um contexto de pauperização e práticas violentas familiares, a exploração sexual tem, infelizmente, virado uma alternativa de sobrevivência para muitas crianças/adolescentes. No entanto, tão importante quanto pensarmos os motivos que impelem as crianças a se envolverem na situação de exploração sexual, é preciso questionar o porquê de muitos adultos - tidos como homens/mulheres decentes, e pais/mães de família - saírem com essas crianças e adolescentes. Ou seja, se há tantas crianças/adolescentes se expondo à "prostituição" é porque muitas pessoas continuam a alimentar essa demanda.

A atual realidade das crianças que vivem em situação de risco é reversível?

Acredito que seja. E, antes de tudo e qualquer coisa, porque é um direito constitucional de que sejam cuidadas e protegidas, de que tenham as condições necessárias para o seu pleno desenvolvimento físico, mental e social. Essa é uma missão de responsabilidade do Estado, da família e de toda a sociedade. De que forma cada criança adere/não adere ao que lhe é proposto é uma questão dos serviços especializados discutirem alternativas que funcionam melhor. O que envolve pesquisa, estudo, conhecimento de outras realidades e, sobretudo, mergulho na situação-problema, em cada contexto e particularidade das demandas atendidas. Mas a oportunidade precisa ser dada! Deve ser dada! Além de um imperativo legal, trata-se de um imperativo ético, de crença na dignidade e potencial humano, de que todos temos direito à vida e à vida com qualidade.

Depende de quê e por quê não são feitas?

Depende, entre tantas coisas, da boa articulação das dimensões que falei acima - Estado, família e sociedade civil como um todo... Não são feitas porque, em última instância, cada um pensa que essa não seja uma responsabilidade sua. Estamos todos pensando muito individualisticamente. Isso vale para o Estado, mas também para cada cidadão que acha que não tem nada a ver com aquela criança/adolescente que encontra na rua, "prostituindo-se" ou não. E que muitas vezes é por ele/ela vitimizada, seja no "programa" feito ou na "cara virada", no preconceito expresso no olhar ou verbalmente.
 
 
Fonte: Tribuna do Norte

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